Sexta-feira, 19 de abril de 2024, às 20:09:44- Email: [email protected]


Agentes indígenas usam drones e IA para combater o desmatamento na Amazônia

As armas preferidas de Siã Shanenawa para proteger seu território são drones e aparelhos de GPS. Há um motivo para usá-las: a Terra Indígena Katukina/Kaxinawá é a que corre maior risco de desmatamento no Acre, de acordo com um estudo do instituto Imazon desenvolvido exclusivamente para a Mongabay.

Usando a ferramenta de inteligência artificial PrevisIA , desenvolvida em parceria com a Microsoft, o Imazon detectou 878 quilômetros quadrados de terras com alto risco de desmatamento no Acre, espalhados por todos os 22 municípios do estado. Isso inclui áreas dentro de 20 unidades de conservação e 29 territórios indígenas, a maioria perto do limite com o estado do Amazonas. O município de Feijó é o que tem a maior área com risco de desmatamento – cerca de 144 km2.

Em Feijó também está localizada a Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, que abriga os povos Huni Kui e Shanenawa. Siã Shanenawa, cujo nome em português é Ismael Menezes Brandão, é um dos 21 agentes agroflorestais da reserva de 230 km2. Morando na aldeia de Shane Kaya, ele ajuda a monitorar a TI para prevenir invasões de forasteiros que buscam se apropriar das terras para fins agrícolas.

“É muito importante monitorar a terra porque nós, povos indígenas, ficamos mais seguros quando conseguimos detectar se alguém está invadindo, se alguém está tirando madeira da nossa terra, se alguém está caçando diretamente na nossa terra, se alguém colocou fogo perto da nossa terra”, disse Siã Shanenawa à Mongabay.

Siã Shanenawa e outros agentes agroflorestais como ele são treinados pela Comissão Pró-Índio (CPI), organização sem fins lucrativos que luta pelos direitos dos grupos indígenas e outras comunidades marginalizadas. O treinamento inclui não só o monitoramento e a proteção do território, mas também o manejo das terras e práticas agrícolas sustentáveis para a população local.

O monitoramento geralmente começa com uma abordagem moderada, quando os agentes indígenas circulam por suas terras e conversam com os fazendeiros que atuam perto de suas divisas. “Quando podemos explicar às pessoas que nossa terra é protegida, elas entendem. Muitos ficham contrariados, dizendo que nossa terra é grande demais. Mas essa é a nossa terra, e eles precisam deixá-la em paz, não podem invadir com gado”, diz Siã Shanenawa.

Nem todos os encontros com invasores são pacíficos. Siã Shanenawa diz que não é incomum para ele e outros de sua comunidade prenderem invasores e levá-los à delegacia de polícia mais próxima, uma vez que toda a comunidade está envolvida no sistema de monitoramento, não só os agentes agroflorestais treinados.

A ameaça de desmatamento na Terra Katukina/Kaxinawá não é incomum no Acre. O estado hoje tem uma das maiores taxas de desflorestação do Brasil: em setembro, o Acre respondeu por 10% do desmatamento na Amazônia brasileira, de acordo com dados do sistema de monitoramento Imazon, SAD. Isso o coloca entre os cinco estados com maior perda florestal do país – uma posição já prevista pela ferramenta de inteligência artificial.

Desmatamento impulsionado pela agricultura

O desmate impulsionado pela agricultura vem atingindo grande parte da Amazônia brasileira, incluindo os estados do Mato Grosso e parte do Pará, de acordo com um relatório do Greenpeace. “Mas o Arco do Desmatamento continua avançando, especialmente no sudeste e oeste do Pará, onde a destruição atinge proporções gigantescas, e nas regiões onde os estados de Rondônia, Amazonas e Acre estão localizados”, diz o relatório.

No Acre, um dos principais fatores que fomenta o avanço da agricultura é um projeto oficial do governo chamado Amacro, explica Rômulo Batista, ativista do Greenpeace na Amazônia. Batizado com as iniciais dos estados do Amazonas (AM), Acre (AC) e Rondônia (RO), o Amacro tem como objetivo levar o desenvolvimento agrícola para o coração da Amazônia.

Em abril de 2020, Assuero Doca Veronez, presidente da Federação Agrícola do Acre, disse não estar incomodado com o aumento do desmatamento no estado. “Para nós, o desmatamento é um sinônimo de progresso, por mais que isso possa chocar as pessoas”, afirmou Veronez. “O Acre não tem minérios. Não tem potencial para o turismo. O que ele tem são algumas das melhores terras do Brasil. Mas essa terra tem um problema: está coberta pela floresta.”

Naquele momento, contudo, a ideia da Amacro estava apenas surgindo. Inspirada pelo Matopiba – uma iniciativa similar na região dos limites entre os estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA), que se tornou o centro da produção de soja do Brasil -, a Amacro avançou durante a pandemia de covid-19.

Hoje, a Amacro abrange 32 municípios e uma área total de 465.800 km2, com uma população de 1,7 milhão de pessoas, de acordo com dados do governo. No papel, o projeto estabeleceria uma área de proteção florestal, oferecendo alternativas econômicas para a população, em vez de desmatar a floresta.

Mas não é isso que está acontecendo na prática, denunciam ativistas. “Temos consciência dos problemas causados pelas políticas de desenvolvimento regional que não levam em consideração a vocação local, ou a população que ocupa este lugar, seja ela indígena, ribeirinha ou comunidades extrativistas”, disse Batista à Mongabay. “Esse é um tipo de programa de desenvolvimento que não funcionou em nenhum lugar da Amazônia. É um novo fator de interesse que vai impulsionar muito, se é que já não está impulsionando, a disputa por terras nesses municípios.”

Diante do aumento do desmatamento, Batista diz que as inovações tecnológicas que podem ajudar na prevenção são bem-vindas, como a ferramenta de inteligência artificial PrevisIA. “A prevenção tem um melhor custo-benefício porque evita a perda florestal e previne o deslocamento das comunidades”, explica.

O PrevisIA não fornece apenas informações sobre as áreas com risco de desmatamento, ele também tem uma segunda fase, que o Imazon inicia agora, com o objetivo de engajar as autoridades locais na prevenção. Essa fase do projeto está começando no Pará e se expandirá para o Acre, segundo o pesquisador do Imazon Carlos Souza Jr. O primeiro passo é criar um referencial de ações a serem replicadas em outras localidades, diz ele, começando com o município de Altamira – 75% do risco de desmatamento no município está concentrado em apenas 10% de sua área.

“Precisamos mudar o paradigma local. Isso começa por entender o desmatamento que já ocorreu e o que está em risco”, explica Souza Jr.. “O próximo passo é desenvolver um plano de ação, com melhorias na infraestrutura governamental para monitorar e combater o desmate (o que inclui pessoal e equipamentos). Uma vez que tivermos um estudo de caso para mostrar o sucesso do plano de ação, outros lugares seguirão o exemplo.”

O governo do Acre afirma ter suas próprias políticas e sistemas de monitoramento para prevenir a perda florestal. “Há ações concretas em andamento que chegam às comunidades rurais, tradicionais, ribeirinhas e indígenas, bem como campanhas educativas e publicitárias contra o desmatamento e incêndios ilegais na floresta”, declarou por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e das Políticas Indígenas, Semapi.

Treinando agentes agroflorestais

A Comissão Pró-Índio vem treinando os povos indígenas em agrossilvicultura e manejo de terras no Acre desde 1996, tendo começado com um grupo inicial de 15 indígenas de quatro reservas diferentes. Hoje, há mais de 200 monitores indígenas treinados em 29 reservas, diz Julieta Matos Freschi, coordenadora do Programa de Gestão Territorial e Ambiental da CPI-Acre.

Ela observou que as terras indígenas do Acre permanecem com 98% de cobertura florestal, enquanto as áreas circundantes estão em grande parte destruídas. “A prevenção ao desmatamento é o que os povos indígenas mais fazem”, disse Freschi à Mongabay. “Todas as atividades em que a CPI-Acre trabalha têm algum impacto, direto ou indireto, sobre o desmatamento. A educação indígena é um processo contínuo, que começa com a demarcação oficial das terras e inclui professores e agentes de saúde.”

Ela diz que o treinamento para se tornar um agente agroflorestal inclui um curso de agroecologia para recuperar terras degradadas – margens de rio, barragens, córregos, áreas que serviram de pasto ou que foram desmatadas – por meio de sistemas agroflorestais onde são plantadas árvores nativas e plantas medicinais.

Os agentes aprendem também a manejar as florestas, caçar e pescar, diz Freschi. Eles desenvolvem técnicas de monitoramento comunitário para proteção territorial, realizando excursões de vigilância para monitorar ameaças de invasão por caçadores ilegais, gado pastando ou madeireiros. “Essas são algumas das ações que têm um efeito direto e indireto no controle do desmatamento dentro das terras indígenas”, diz Freschi.

O sistema de monitoramento utiliza também drones e GPS para reunir informações sobre invasores e incêndios. As informações são enviadas à Funai (Fundação Nacional do Índio).

Para Siã Shanenawa, monitorar a terra não é um dever apenas dos agentes agroflorestais treinados, mas envolve toda a comunidade: “É papel do cacique, dos moradores, que também têm consciência disso. O monitoramento pertence à comunidade, pertence ao povo”, diz ele. “Isso nos deixará protegidos, especialmente agora com esse governo que está tentando acabar com a floresta. A floresta em pé é vida para todos, não só para os povos indígenas, porque a floresta reduz um pouco o calor e faz o controle do ambiente no nosso planeta, né? Estamos sempre protegendo a floresta para que não tenha desmatamento.”

(Por Juliana Ennes e Leandro Chaves)

Esta reportagem foi originalmente publicada no site da Mongabay Brasil.

 

 


spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_imgspot_imgspot_imgspot_img
spot_img


Veja outras notícias aqui ▼