Logo pela manhã, Dom levantou-se da cama com muita disposição. Olhou para o relógio que marcava 06:32. “Tá na hora de levantar e ser um homem diferente neste dia!” Frase positiva? Mais que positiva. Afinal, ele já lera vários livros de autoajuda e sabia que havia uma enorme diferença entre desejar e agir. “Não fique apenas sentado, Dom. É tempo de se mover. De correr atrás da transformação que você tanto quer.”
Acreditava no poder de uma mentalidade positiva. “Agora nós vamos relaxar neste piquenique e vamos imaginar que somos pássaros belíssimos que voam e voam e embelezam mais e mais a natureza”, ouviu certa vez essas palavras de uma colega de profissão, Cecília, que estava ao lado dele e se pôs a fazer o papel da “perfeita conselheira” durante um encontro entre alguns arquitetos indicados a uma premiação em Nova York.
Levando em consideração a extrema agitação das pessoas no século XXI, as palavras de Cecília soaram agradáveis, sábias, poéticas, elegantes. Apaixonantes também aos olhos de Dom que a observava com uma admiração beirando o flerte.
Então, ele se olhou no espelho. Descabelado e com a cara de sono. Achou até engraçado se ver daquele jeito. Não conseguiu segurar a leve risada de um homem que tinha humor. “Ria de si mesmo! Ria. Gargalhe. Beba uma taça de vinho em uma sacada de um hotel em Veneza e veja-se como um erudito aclamado. Sortudo és, ó erudito que se apaixona pela própria grandeza!”, foi o que disse seu Gentil, conhecido dele que era professor de francês e que não se estabelecera profissionalmente. Também chamado de eslavo, lia e recitava poemas de reconhecidos nomes da literatura francesa e mundial. “A poesia é um remédio que pode até não curar os verdadeiros inquietos. Mas ela os incita a não pararem de indagar e jamais se curvarem diante de respostas genéricas e fabricadas pelos poderosos desinteressados na liberdade existencial do ser humano.”
Dom gostava da companhia de seu Gentil, apesar de se incomodar com o cheiro do cigarro que o professor acendia nas tardes solitárias naquele apartamento minúsculo. “Saiba que fumar não é o recomendável pro homem que busca viver saudavelmente. Hein? É só refletir nas consequências de fumar tanto e ignorar o que é certo.”
O professor não era tão receptivo com os conselhos dos mais novos. Infelizmente, nutria uma arrogância ridícula para um senhor visto pelas novas gerações como um intelectual. “De qualquer maneira, eu vou morrer. Então, que eu aproveite mesmo a vida e as delícias dos vícios. Os vícios também são importantes pra um ser pensante. Por que é tão condenável assim? Besteira. Loucura. Diversos poetas maravilhosos eram viciados, depressivos, atormentados, desgraçados e competentes nos versos. Eu quero também fazer parte do clube. Eis a maldição que, na verdade, é o luxo dos diferenciados. Dos invejáveis.”
Para Dom, escutar tais argumentos irresponsáveis era uma decepção. Uma enorme decepção que o fazia questionar se valia a pena mesmo ir visitar o professor, sendo que nem o próprio fazia questão de vê-lo com frequência. “Se eu não ligar, o senhor nem me liga. E… assim fica difícil. Muito, muito difícil. Afinal, amizades saudáveis se fortalecem positivamente ao longo dos anos. Uma amizade sincera é um elo de valor inestimável.”
O professor discordava. Com um sorriso malicioso e sarcástico, olhava para Dom com uma prepotência irritável. “É mesmo, jovem sensível? Por favor! Comportemo-nos como dois homens intelectuais. Não seja tão mimado! Escuta. Eu não tive filhos justamente pra não ter que lidar com sentimentalismos exacerbados. Você não é o meu filho. Nem meu sobrinho, nem meu neto. Não é meu parente. Pra quê forçar uma aproximação superficial nos moldes desse pessoal brega que diz por aí que família e amizade são pilares importantíssimos na vida de um homem? Responda-me, Dom! Pois eu não sou tão carente assim. Quando eu tô sozinho, eu fico tranquilo. Penso até melhor. Pra quê se iludir com tantos sorrisos de filhos ambiciosos? Pra quê se esmerar em ser o perfeitinho na frente dos parentes linguarudos? Eu me garanto! Eu gosto da minha própria companhia! Entende?”
Dom preferiu não argumentar tanto ao compreender a latente ingratidão vinda de seu Gentil. “O senhor já é um homem sexagenário. É um homem que… pode acessar a sabedoria.”
Dom espreguiçou-se. Orou:
— Deus, hoje eu quero ser um homem diferente. Eu… nem sei como orar direito, mas… eu sei que o Senhor existe e que o ser humano precisa, necessita urgentemente do Teu amor. Um amor que não é carnal. Nem passageiro. Nem uma mentira. O Teu amor é real e verdadeiramente transformador. Inspirador. Ontem eu tava lendo um livro de uma escritora cristã muito famosa nos Estados Unidos e… eu realmente me senti impelido a Te buscar com mais veemência. Uma veemência celestial. E… algumas vezes o Teu agir é inexplicável pela ótica científica, humana. Mas… eu sei que o Senhor fala com as pessoas de diferentes formas. Formas criativas, interessantes. No momento, eu ainda tô inserido em um contexto impuro. Eu reconheço. Ontem eu… eu acabei caindo de novo. E eu já orei pedindo perdão pro Senhor várias e várias vezes. E olha eu aqui de novo, Deus. Totalmente sem moral diante de um Deus tão grande. Tão… sublime!
Suspirou já cansado de ser um homem instável na fé em Deus. Em Jesus Cristo. Frequentemente, escutava pregações de pastores norte-americanos na sua smart TV (ele não ativava as legendas em português, pois sabia se comunicar em inglês como um nativo e entendia tranquilamente os líderes eclesiásticos estadunidenses). Porém, ainda assim, sentia-se perdido, imerso em dúvidas e perguntas e medos e desejos voluptuosos. Continuou a oração:
— Senhor, muitos são os que zombam de Ti. Zombam dos pastores, da Bíblia. Das igrejas. Das pessoas que… que vão à igreja. Mas eu tô aqui. Eu tô disponível pra Ti, Senhor! Inteiramente. Mesmo que eu nem saiba neste momento o grau da responsabilidade desta minha oração sincera. Não apenas sincera. Mas reveladora. Constrangedora. É. Sim. Eu tô aqui de braços abertos e… eu não quero me vulgarizar mais e mais, me achando o cara, o tal. Não. Não mesmo. Eu realmente quero viver uma fé cristã verdadeira. Uma fé cristã que… que me fortaleça. Eu realmente preciso do Senhor todos os dias! Sim.
Hotel luxuoso em Miami, 2023
Dom encontrava-se admirando a beleza arquitetônica da cidade. “Realmente, Miami é moderna demais. Beautiful city!” Segurava uma taça de vinhos. O olhar de homem sedutor, repleto de desejos carnais. E, embora socialmente fosse lido como um cidadão extremamente conservador, nutria há anos fetiches sexuais diferentes e intrigantes.
Na cama, Leonora, envolta em um lençol importado, branco, os cabelos loiros cacheados. A malícia de uma prostituta já experiente no ramo. Ela o chamou em voz alta:
— Dom! Dom! Vem aqui, bonitão! Tô com saudade, gatão!
Mesmo sabendo que Leonora não o amava e que os dois estavam imersos em um mar de mentiras e armadilhas e interesses, foi até ela como um escravo. Sentia-se enfeitiçado por aquela mulher que fazia sexo oral nele por mais de meia hora. “Meu Deus! Eu não sei o que ela fez. Mas… é tipo… um encantamento. A voz dela me seduz muito. A razão pede pra eu largar ela. Mas a emoção me faz querer beijá-la ardentemente.”
— Agora que eu fui me dar conta de que tá na hora de… de voltar pro trabalho — comentou Dom já olhando para o celular com uma notável impaciência.
— Mentira! — afirmou Leonora com uma expressão de chateação. — Diz logo, cara. Você já tá cansado de mim, né?!
Ele riu. Respondeu:
— Claro que não!
— Então por que essa desculpa furada? Trabalho? Nesse horário? Nos Estados Unidos? Nem parece que você tá de férias.
— Negócios internacionais, Leonora. Network. Há uma diferença abissal entre o Dom profissional e você. A sua flexibilidade de tempo nem se compara com a minha.
Ela gargalhou. Perguntou:
— É uma piadinha?
— Não. É a realidade. Eu trabalho muito!
— Eu também ralo pra caramba. Pensa que é fácil ser do job?
— A questão não é essa. A questão é que eu, Dom, realmente e… simplesmente preciso ir pra uma reunião importantíssima com empresários estadunidenses e de outras nacionalidades também. Business. Tá difícil de compreender? Vou ser mais explícito. Dinheiro. Money. Dinero. Tô indo atrás de mais cacau! Entende? O homem precisa de dinheiro. Vivemos em uma sociedade altamente capitalista.
— Tá com preconceito, é?
— Preconceito de quê, Leonora? Tá doida?
Leonora começou a olhá-lo com arrogância. Disse sentindo-se a mulher mais desejável do mundo:
— Vários homens me querem. Eu não tô no ostracismo. Não fica achando que eu vou ficar chorando por você como uma idiota. Jamais, Dom! Uma prostituta eficiente não se apaixona. Nem se deixa envolver por sentimentos que empobrecem o saldo bancário.
— Eu entendo como funciona o nosso acordo. 100% de sexo. 0% de amor. Um negócio rentável pros dois lados.
— Melhor assim mesmo. Eu gosto é desse jeito!
Dom suspirou agastado. Comentou em um tom educado:
— Eu não tô com preconceito de você. Não me veja dessa forma tão feia e arcaica.
— Mas parece. Parece, Dom. Eu tô percebendo que a gente já não… não se conecta como antes. Nem os papos combinam tanto assim como no tempo em que a gente começou a se encontrar.
— É o cansaço. As cobranças da carreira. A vontade de me aliviar logo. Entende? Mas… eu vou rever… o meu comportamento. Prometo.
— Não precisa.
— Como assim?
— Amanhã vai chegar um amigo meu lá de Paris. O Pietro.
— E…?
— Eu vou encontrar ele.
— Legal! Bacana! Mas eu tenho alguma coisa com a amizade de vocês?
— Não. E nem vai ter mais nada comigo. Ele tá voltando pro Brasil pra investir nas plataformas de conteúdo adulto.
— Entendi. Ele é gay?
— Bissexual.
— Tá. E eu com isso?
— Não entendeu ainda?
— Confesso que tá meio confuso esse papo, Leonora. Explica aí.
— Eu não tô mais a fim do nosso lance. É isso! Acabou. Acabou, Dom!
— Tipo… acabou mesmo? Tá falando sério?
— É. Acabou. Tô falando sério mesmo. E eu vou gravar conteúdo pornô com vários caras e várias mulheres e a grana vai entrar. Eu sou uma mulher que gasta demais. Preciso de milhões! Não dá pra viver só de merreca.
— Merreca? Dez mil é merreca pra você? Cada programa?
— É. Eu posso mais. Eu quero mais. Olha como eu sou gostosa! Tô perdendo meu tempo contigo e com os outros coroas. Eu podia tá ganhando mais de 5 milhões por mês. Burra! Como eu sou burra, véi!
Sentindo-se imundo no seu ser, Dom apenas tirou a sua carteira do bolso.
— Me dá o celular aí. Vou passar o cartão.
— Ótimo — disse Leonora já pegando o celular na bolsa que estava do lado dela.
Cobertura luxuosa, 2025
Naquela manhã belíssima, Dom e Vicente contemplavam a praia de Copacabana. O Pão de Açúcar. A beleza da natureza. Heterossexuais, brancos, milionários, viajados, comentados nas mídias. Resumindo: privilegiados.
— Nem tudo é dinheiro — comentou Dom, reflexivo. Uma notável amargura no olhar. Na entonação. — Mas são tantas as questões imediatistas que rodeiam o homem que… ele obrigatoriamente entra no jogo das vãs competições.
Vicente o olhou com uma leve desconfiança. Um estranhamento que vinha junto com o julgar sem entender o contexto de uma fala. Disse sentindo-se superior:
— Eu sou um homem que não liga mais pras críticas. Geralmente, quem nos critica não é lá essas coisas.
Riu com desdém. Continuou:
— Mas… nem todos têm a capacidade de driblar os mesquinhos com uma oratória de qualidade. Com um posicionamento forte, que declara às pessoas a nobreza dos que não se abatem fácil.
Dom perguntou:
— Você é feliz?
Vicente não respondeu imediatamente. Levantou as sobrancelhas já revelando o seu lado arrogante, antipático.
— Sou feliz por vários motivos concretos, científicos, querido. Bonito, intelectual, aclamado na carreira, sofisticado, um exímio apreciador de vinhos caríssimos. Viajado. Além de…
Deu uma leve risada. Continuou:
— Ser nota dez na cama. Eu me garanto.
Dom abaixou o olhar. Ouvia-se o barulho das ondas do mar agitado.
— Não somos perfeitos. Mas… a vaidade do homem o destrói.
Vicente comentou com malícia:
— Dom, Dom… entregar-se ao sentimentalismo exacerbado é uma insanidade existencial. Por favor! Nós nos conhecemos há anos. Mas… eu não tô reconhecendo você agora. E… espero que não seja por causa daquele…
Hesitou em dizer o que desejava expressar verbalmente. No entanto, movido por uma raiva, continuou:
— Daquele pastor metido a conhecedor do bem e do mal. Não me diga que é por causa dele que você tá assim.
— Assim como? — perguntou Dom.
— Fraco. Impressionado. Quase se deixando levar por um magnata da fé que não tá nem aí pro desenvolvimento real das pessoas. Ele é estratégico, Dom! Acorda! Desse jeito, ele vai te engolir. É agradável escutá-lo? Faz parte das artimanhas dele. Não se iluda assim tão facilmente como se você fosse um jovem tolo. Um… qualquer. Não se rebaixe tanto como se você precisasse ser humilde. Olha o teu nível! Olha o nosso nível, Dom! Nós não podemos ficar dando muita trela pra gente que acredita em Deus e fica querendo evangelizar os outros a todo custo. Não. O que houve com você? Por que essa tendência a querer se diminuir como ser humano? Acorda, Dom! Você não precisa de Deus porque você já tem dinheiro. Muito dinheiro. Milhões na conta bancária. Escuta, Dom! Deus não existe. É uma invenção dos loucos. É uma mentira difundida mundialmente por interesses religiosos, políticos, econômicos…
— Eu acredito em Deus! — afirmou Dom com uma ênfase admirável. Olhou nos olhos de Vicente com uma segurança proveniente da fé. — Pode me chamar de louco. De besta. De iludido. Mas é isso mesmo que você escutou saindo dos meus lábios. Eu acredito em Deus! Porque Deus é real!
Então, imbuído de um latente ateísmo, Vicente gargalhou estridentemente.
Enquanto isso, Dom o fitava com desgosto.
— Não pode ser — disse Vicente sentindo-se provocado. — É um teste com a minha paciência, Dom? É isso? Ou é porque Deus tá no hype?
— Deus é eterno, Vicente! Atemporal. Ele subsiste antes de todas as coisas. Eu li isso na Bíblia.
— Deus? Bíblia? Quanto fanatismo! Quanta loucura! Dom… sinceramente, eu tô abismado com a sua decadência psíquica. Recorrendo à ilusão pra se manter como ser humano. Uma decadência estampada! É triste. Mas eu tô aqui pra te tirar do lamaçal. Eu tô aqui, Dom!
— Lamaçal?
— É. Lamaçal.
— Lamaçal não, Vicente. Manancial é o que define a Fonte divina que é Deus.
Vicente, mais uma vez, gargalhou imerso em um ateísmo sarcástico. Os olhos altivos.
— Deus é o Manancial que me fortalece!
Deixando a eloquência ateísta, Vicente ficou sério por alguns instantes. E, atentando-se realmente para o que estava acontecendo na vida de Dom, questionou:
— É verdade mesmo?
— Sim — respondeu Dom. — E eu entendo o seu espanto. Afinal, geralmente, os milionários não ligam pro Evangelho. Né? Então… eu tô indo na contramão do que se espera de um homem com o meu perfil intelectual, social, financeiro. Mas… sinceramente, Vicente…
Suspirou. Continuou em um tom professoral, filosófico:
— O ser humano é efêmero. Nós buscamos controlar o tempo, as situações. Diversas vezes, Vicente, até interferimos na vida dos outros buscando satisfazer os nossos caprichos mais mesquinhos. E achamos que é correto agir assim. Achamos que o prazer pessoal precisa e deve ser conquistado mesmo que, pra isso, prejudicar as pessoas lidas por nós como descartáveis seja um dos atos conscientes e insanos que cometemos movidos pela ganância extrema.
— Poxa! Falando desse jeito parece até que nós somos vilões — comentou Vicente já sentindo-se incomodado ao perceber que Dom estava despertando espiritualmente na vertente cristã. Além de odiar as conversas com teor reflexivo aprofundadas em temas como: amor verdadeiro, perdão, misericórdia, altruísmo, simplicidade. — Vejo que… com o com o passar dos anos, muitos se colocam à disposição da religiosidade porque… querem, desejam se livrar das culpas de um passado sujo. Mas… nós não somos perfeitos. Você mesmo disse isso pra mim. Então… por que se cobrar tanto? É só olhar, observar as pessoas à sua volta. A sociedade é capitalista. A ambição faz parte deste sistema. Logo, chega-se à conclusão de que o idealismo espiritual difere grandiosamente das energias mundanas que influenciam os indivíduos ávidos por dinheiro, poder, sexo, roupas de marcas famosas mundialmente…
Riu com uma malícia assustadora. Continuou:
— Idealismo religioso. Quanta pretensão dos vãos lobos vestidos em pele de cordeiro!
Após esse comentário sarcástico de Vicente, Dom o olhou seriamente. Ambos ficaram calados.
— Eu gosto de você, Dom! E você sabe. Afinal, nós viajamos juntos várias vezes. Inglaterra, Estados Unidos, Veneza. Ah! Veneza e a elegância admirável daquela cidade. Bruxelas. Roma. Índia. Tantos locais maravilhosos. Tantos países notáveis, riquíssimos na economia, na diversidade culinária, nas ciências. E hoje… você me surpreende ao dizer que acredita em Deus. Que… que Ele existe. Tão religioso e dramático! Me fez questionar a sua integridade como ser pensante. Desculpa! Perdão pelas palavras que soam muito duras, cruéis! Mas… é a realidade.
Dom colocou a mão no ombro de Vicente, que logo ficou com o coração acelerado. Olhou-o com misericórdia. Disse:
— Eu te perdoo! Porque, sendo honesto, querido, essas palavras que você me disse são maléficas. Não vou levá-las em consideração porque… você tá longe do Cristianismo. Age por impulso. Diz o que quer. Como quer. Fere rindo e ainda se faz de vítima. Tá a cada dia se afundando mais e mais na arrogância. Sem piedade das pessoas. Sem piedade até das crianças. É. Muita gente te odeia, Vicente! E… por vários motivos se a gente for analisar pela ótica humanista. Hein? Tô mentindo?
Vicente estufou o seu tórax forte. Era um homem musculoso, charmoso, sedutor. Ia com frequência à academia. Respondeu, em um tom esnobe:
— Não. Eu confesso que sou metido! É. É isso mesmo! Metido. Pra quê mentir, Dom? Pra quê me fingir de um homem humilde demais? Acessível demais? Não. Nem pensar. Isso já é uma humilhação pra mim! Eu vim de uma família nobre. Conversei desde pequeno com diversos magnatas. Brasileiros, estrangeiros. O acesso à elite me fez amadurecer precocemente. Amadurecimento pessoal, intelectual, social. Etiqueta. O que a maioria dos brasileiros desconhece. Etiqueta. Sentar-se à mesa e não apenas devorar os alimentos. Porque comer apressadamente é uma das características do proletariado. Sentar-se à mesa e saborear os alimentos é para os abastados! Para os que verdadeiramente estão envoltos pela riqueza. Sentiu a fragrância do meu perfume? Claro que sentiu! Fragrância que evoca a paixão. O prazer sexual. Que evoca as lembranças mais refinadas e interessantes. Ah! Pra quê me curvar diante de seres tão patéticos e famintos? Eu não sou o pai da humanidade. E, pra ser sincero, detesto ter que doar dinheiro pras instituições de caridade. Me obrigam a doar recursos financeiros pra África. A mídia quer porque quer me tornar um filantropo. Eu não acredito em carmas, não acredito em Jesus Cristo, não acredito no espiritismo. Eu acredito no poder do dinheiro.
Rápida pausa na fala. Gritou com os braços abertos:
— Capitalismo, cristãos idiotas! Capitalismo, burros que frequentam as igrejas deste país!
Riu com escárnio. Os olhos ficaram até marejados. Porém, no olhar dele, uma tristeza enorme.
— Eu me garanto, Dom! Eu me garanto! Eu já li a Bíblia. Eu já li livros esotéricos. Eu sei que a religião é muito rentável pra quem lidera as ovelhas obedientes. Os cegos. Os loucos. Os iludidos que se curvam diante de um Deus invisível. E eu não sei o porquê ainda insistem em escrever o nome de Deus com d maiúsculo. Deveriam escrever o nome de Deus com d minúsculo. Bem minúsculo. Mi-nús-cu-lo. É isso o que Ele é: minúsculo. Deus é minúsculo perto dos doláres que eu possuo. Deus é minúsculo perto da influência que eu tenho nesta sociedade. Eu sou invejado, copiado, ovacionado, mencionado nos maiores veículos de comunicação, convidado pra eventos de alto padrão, desejado por mulheres bonitas, saradas, novas. Eu sou milionário! Se eu quiser, eu compro vinte carros importados hoje mesmo. Eu posso! Eu sou o máximo, Dom! Pra quê fingir uma modéstia ridícula? Eu sou milionário e por ser um milionário me sinto superior! Um milionário que às vezes…
Riu demonstrando-se arrogante, imaturo, nojento. Continuou com o ego inflado:
— Limpo até aquele local com os doláres. É. As fezes agradecem! Demais! Excêntrico? Sim. Porém, como eu tô nadando nos doláres, eu posso. Eu posso me dar ao luxo de ser excêntrico! Que privilégio! Heterossexual, branco, milionário, intelectual, viajado, elogiado por ser um homem.
— Muitas pessoas te odeiam!
— Eu tô me lixando pra esse povo ruim! Eu tô me lixando pra essas cambadas de pobres e invejosos!
Assumindo um tom exortativo, Dom disse:
— É uma insanidade espiritual você zombar de Deus com tanta arrogância, Vicente! Eu sei que… aparentemente você tá no auge como ser humano. Aí você olha e vê muitos daqueles que professam a fé em Jesus Cristo em posições sociais menos abastadas. No entanto, não tente se colocar acima de Deus. Porque isso é impossível! Im-pos-sível! A maior riqueza dos cristãos é a salvação eterna, Vicente! A salvação. E sabe qual é o valor dela? Eu mesmo te respondo! O preço da salvação eterna em Jesus Cristo é inestimável! Inestimável! As misericórdias de Deus ainda não permitiram você ser exterminado desta terra. Porque, Vicente, a prepotência que você tá exalando por aí…
O olhou com seriedade. Continuou:
— É uma prepotência maligna. Pare de zombar de Deus, Vicente! Pare de ser tão ridículo! Você não apenas zomba de Deus. Você quer destituir a soberania dEle através de argumentações infames. De posicionamentos vãos. Pare com essa arrogância! Você é só um ser humano.
— Não.
Alguns segundos de silêncio entre os dois. Vicente comentou:
— Eu não posso me curvar diante de um Deus que é… invisível. É isso mesmo! Soa muito bruto. Mas… eu realmente valorizo o que é concreto. O que é palpável. Nada de uma fé louca em um Deus… invisível. E quanto aos pobres, Dom…. eu não gosto deles. Entendido? Pra ser sincero, detesto gente pobre!
— É triste ouvir tais atrocidades saindo dos teus lábios! — afirmou Dom muito desgostoso com a soberba de Vicente.
— Pelo menos eu tô sendo sincero. Você não pode me chamar de hipócrita. Eu digo o que penso. Eu me sinto superior! Não por uma vaidade gigantesca. Não. É a realidade! Eu sou um homem apaixonante, envolvente!
— Você preciso de Deus! — afirmou Dom.
Vicente, pouco se importando com a fé em Jesus Cristo, ignorando também a presença de Dom, virou-se de costas para ele e acendeu um cigarro. O olhar de homem malicioso. O andar calculado de alguém que, geralmente, se coloca à espreita dos desafetos com os planos mais sombrios. Ficou observando um quadro estilo abstrato.
— Eu preciso ficar só — disse Vicente segurando com altivez o cigarro. Tragou-o e logo após soltou uma longa baforada de fumaça que era visível no ar. — Por favor!
Dom, elegantemente, em um tom educado, não perdendo a oportunidade de evangelizá-lo, enfatizou:
— Não há como fugir de um Deus tão Grande! Ele é Maravilhoso! Temível? Sim. E acima de todos os nomes.
Sorriu por não ter vergonha da sua fé no Príncipe da Paz. Disse:
— Com licença, senhor Vicente!
E retirou-se com muita diplomacia. Ao fechar a porta cuidadosamente, Vicente virou-se e olhou na direção dela. Gruniu:
— Muito nobre pra ser um cristão.
Ao entardecer, Vicente foi tentar espairecer um pouco no jardim da sua mansão. Não conseguiu ficar sem pensar nas tantas preocupações que o irritavam e o faziam fumar com mais frequência (um vício que detestava ter, no entanto, ele pouco se esforçava em largá-lo). No fundo, olhando pela ótica de muitos homens dos anos 50, achava até charmoso, elegante, ser um fumante. Como era vaidoso e utilizava-se estrategicamente de uma masculinidade chamativa, seduzia muitas mulheres com um cigarro entre os dedos e um olhar de pidão. “Geralmente, elas preferem os vilões. Tá no imaginário delas!”, afirmava ele aos colegas de bar. E logo sentindo-se o homem mais sensual do mundo, bebia um gole de vodka, imerso nos seus achismos. “É uma vantagem ser lindo e milionário! Sim. Com certeza! Elas se submetem fácil fácil. Nem é preciso tanto esforço. Tais mulheres atraentes e interesseiras já se colocam aos pés dos magnatas que querem sexo. Sexo selvagem.”
E assim ia se comportando ao longo dos anos: curtindo as noitadas e orgulhando-se de se declarar um boêmio apaixonado pelos prazeres carnais. “Eu quero é pegar trinta mulheres hoje!”, afirmou Vicente, uma vez, em uma festa particular de um colega estrangeiro, só de cueca, segurando uma garrafa de champagne, perto da piscina. Muitas mulheres seminuas no local. Vários homens bebendo, dançando, rindo estridentemente, se drogando, xingando.
Dona Leonice apareceu na sacada da sua suíte. Ao ver o filho, abriu um leve sorriso. No olhar dela, o afeto por Vicente. Porém, notava-se nela uma amargura. O filho, já sentindo que estava sendo observado pela mãe, virou-se e olhou fixamente na direção dela que acenou para ele. Vicente respondeu com um aceno pouco expressivo, forçado. “Lá vem ela me perturbar de novo!”, pensou ele já se irritando com a possibilidade de ter que conversar com ela por longos minutos. Então, a mãe dele retirou-se da sacada. Imediatamente, Vicente respirou fundo, sentindo-se aliviado. “Pelo menos hoje ela vai me deixar em paz! Não suporto ter que ficar ouvindo as histórias dela”.
Olhou para o jardim com altivez e sorriu com um sarcasmo já característico dele. Comentou consigo mesmo:
— Realmente, eu sou um homem diferenciado! Porque… geralmente, os homens são mais ligados no que é trivial. Não todos. Mas… a maioria sim. E olha eu aqui. Tão refinado e esbelto! Cansado de… presenciar tantas estupideces de pessoas… ridículas. Eu gostaria de ter outra mãe. O pai até que se salva porque era milionário e me proporcionou a oportunidade de ser um herdeiro de vultuosas quantias. Mas também poderia ser facilmente substituído.
Alberto Dinys é um novelista cristão brasileiro de 25 anos. É pregador da Palavra de Deus. Instagram: @alberto__dinys




