O Brasil registrou 22 ataques de violência extrema em 23 escolas desde 2002, segundo levantamento da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). O número, que pode não parecer tão alto, é alarmante se considerado o recorte mais recente: mais de um terço (9) desses registros ocorreu desde junho do ano passado.
Especialistas ouvidos pelo R7 jogam luz nessa escalada de violência nas instituições de ensino e afirmam que, de modo geral, casos midiáticos e de repercussão nacional tendem a influenciar potenciais autores, inclusive devido a falhas na cobertura jornalística.
Daí, portanto, é possível explicar a maior frequência desses episódios nos últimos anos.
“Isso influencia os próximos. Se observarmos os ataques, são sempre parecidos com algum outro que já ocorreu, e muitas vezes baseado nesses, como no de Suzano, por exemplo”, afirma Elaine Alves, psicóloga com pós-doutorado em luto, emergências e desastres do Instituto de Psicologia da USP.
O massacre na E.E. Raul Brasil, no município da Grande São Paulo, em março de 2019, exemplifica o argumento da psicóloga.
Os dois autores possuíam inspiração no ataque em Columbine, nos Estados Unidos, 20 anos antes, e parte dos métodos foi seguida na última segunda (27), na zona oeste de São Paulo, quando uma professora foi morta a facadas por um adolescente.
Dado o cenário crescente no número de casos de ataque, a tendência é que mais eventos aconteçam, lamenta Cleo Garcia, mestranda em educação na Unicamp e especialista em justiça restaurativa.
“Não sabemos quando, mas ocorrerão. Há uma conjunção de fatores que observamos que estão implicando nesse crescimento extremamente preocupante”, afirma a pesquisadora, ao citar a radicalização com discurso de ódio em redes sociais e os fóruns extremistas, nos quais adolescentes são cooptados.
Grupos como esses, prossegue ela, proporcionam a esses adolescentes “acolhimento e reconhecimento, que eles geralmente não têm aqui fora, estimulando-os a praticarem os ataques”.
O chamado “efeito contágio” foi citado, inclusive, pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo), ao afirmar que, entre segunda (27) e terça-feira (28), houve ao menos sete tentativas de ataque em escolas do estado.
“A suspeita é que a ampla divulgação de imagens do ataque ocorrido na escola da Vila Sonia, em São Paulo, no qual uma professora morreu e cinco pessoas ficaram feridas, esteja motivando esses adolescentes”, escreveu a pasta, em nota.
Dos 22 ataques levantados pela Unicamp, em 12 os autores se utilizaram de armas de fogo. Desses, ao menos seis tinham a arma em casa. Outros quatro as compraram por terceiros e dois as adquiriram de origem desconhecida.
O levantamento informa outros detalhes a respeito dos 22 episódios de violência.
Ao todo, foram 36 mortos, que se dividem entre 24 estudantes, 5 professoras, 2 profissionais de educação e 5 autores, que cometeram suicídio.
Entre os autores, 16 eram alunos e 12, ex-alunos. Em três casos eles agiram em dupla. O mais velho tinha 25 anos e o mais novo, 10.
A pesquisa revela, ainda, um perfil dos autores dos ataques. Eles são predominantemente brancos, jovens e homens com comportamento misógino, ou seja, machistas, agressivos e favoráveis a uma visão da mulher como submissa.
Outros traços marcantes de sua personalidade são o gosto pela violência e o culto às armas, bem como uma espécie de isolamento social, com relações sociais e grupos restritos. A evasão escolar também se repetiu entre os agressores avaliados.
Essa corrente de influências se deve também à divulgação massiva de informações e imagens relacionadas aos autores na mídia e nas redes sociais, afirma Alves.
Por isso, o EWA (Education Writers Association), entidade americana de jornalistas que cobrem educação, recomenda evitar a exposição excessiva dos nomes e fotos de autores e das cenas do ataque, a fim de não fornecer uma forma de atribuição de heroísmo aos agressores.
“É muito preocupante divulgar o rosto dos autores, como fizeram com o adolescente que atacou a escola em São Paulo. Viralizaram várias cenas do ataque. É o tipo de coisa que faz mal para os familiares, as pessoas da escola, não é algo bom. É um desrespeito, uma violência”, afirma a psicóloga.