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Aprovado na Câmara, PL autoriza que pais possam educar filhos em casa

Projeto é parte da pauta de costumes do governo, e passa por 264 a 144. Se virar lei, pais poderão fazer dos lares salas de aula

Tainá Andrade


(crédito: Zeca Ribeiro/Agência Câmara)
Por 264 votos contra 144 e duas abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei 2.401/19 que concede aos pais a possibilidade de educar os próprios filhos sem enviá-los à escola — o chamado homeschooling. O PL faz parte da pauta de costumes defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e segue, agora, para o Senado. A modalidade é proibida no Brasil por uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que em 2018 entendeu não haver uma lei que regulamente esse tipo de ensino.

A proposta não contava com a simpatia da oposição, o que levou ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), a construir um consenso para que a discussão do texto fosse pautada. Depois de aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, um requerimento de urgência foi apresentado para que o texto entrasse na pauta do plenário. Os opositores não conseguiram barrá-lo.

De autoria do governo federal, o texto aprovado pelos deputados determina que os pais deverão formalizar a escolha pelo ensino doméstico junto ao Ministério da Educação, que estará incumbido de fiscalizar os pais e cobrar o desempenho do aluno. A pasta também terá de disponibilizar o plano pedagógico individual correspondente ao ano letivo em execução. Além disso, o estudante matriculado na modalidade será submetido, para fins de certificação da aprendizagem, a avaliação anual pelo MEC sobre conteúdos da Base Nacional Comum Curricular. Os estudantes devem estar matriculados em instituição de ensino credenciadas, que devem acompanhar a frequência nas atividades.

Um grupo de pais defensores da proposta do ensino doméstico acompanhou o debate das galerias do Plenário. Danilo Vexenat, 40 anos, é pastor e tem quatro filhos — de 12, 11, sete e três anos — que, segundo ele, mudaram seis vezes de escola. Há dois anos, ele e a mulher adotaram o homeschooling porque discordarem daquilo que as instituições de ensino oferecem aos alunos.

“Vi muitas coisas que não faziam bem a eles e que não condizem com a forma que a gente vê o mundo. Por exemplo: houve aulas nas quais os professores diziam que tudo aquilo que o aluno precisa está dentro dele, que ele tem toda a força necessária para enfrentar o mundo. Não acreditamos nisso. Acreditamos que existe um Deus e que precisamos dEle para encarar o mundo”, explicou.

Outro pai presente à sessão, Daniel Carvalho, 47, funcionário do Ministério da Infraestrutura, salientou que para realizar o homeschooling o tutor precisa adotar um estilo de vida diferente por exigir tempo.

“Eles (os deputados contrários à proposta) não conhecem o homeschooling. Não têm de se basear pelo que aconteceu na pandemia, quando as crianças foram para a casa e os pais tiveram de tentar ensinar e trabalhar ao mesmo tempo. No nosso caso, a gente se prepara, se instrui”, observou.

Três perguntas para…
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Há vários países onde o ensino em casa é tradicional e bem sucedido — aspecto que é defendido pelos apoiadores do projeto. Com as peculiaridades do Brasil, há condições de se obter bons resultados?

A proposta concreta para se monitorar o que está acontecendo na educação doméstica é a realização de provas. É uma visão estreita sobre o que é educação. Um estudo americano, com metodologia científica séria e boa amostragem, concluiu o seguinte sobre crianças que estudavam em casa: têm menos probabilidade de entrar na faculdade e obtêm menores níveis de educação superior do que as das escolas públicas; frequentam universidades de menor prestígio; têm menos probabilidade de obter um diploma de faculdade ou pós-graduação; e têm níveis significativamente diferentes de engajamento cívico.

Quais podem ser as consequências, a médio e longo prazo, da implementação desse modelo para a educação brasileira?
Hoje, altas taxas de violência e abuso sexual e de trabalho infantil acontecem dentro do ambiente familiar. Caso se autorize a educação domiciliar, o risco se agrava, pois são reduzidas, ainda mais, as perspectivas de controle, identificação ou proteção dessas crianças e adolescentes. Para a educação ser a prática da liberdade, deve ser, também, espaço de debate sobre os temas da sociedade, inclusive os mais sensíveis. Só por meio de uma educação democrática, que dá lugar à discussão plural, construímos uma educação emancipatória e crítica. Uma sociedade inclusiva começa pelo ambiente escolar e regulamentar a educação domiciliar significa restringir o acesso à escola aos que são diferentes — é mais exclusão. Qualquer pessoa ocupará o lugar do professor, o que não é admissível para quem defende a ciência — desvalorizando ainda mais a docência. O discurso nem sempre explicitado pelos defensores do ensino domiciliar afeta o conceito da educação como bem público.

Um ponto citado pelos defensores do homeschooling é a dificuldade das escolas em lidar com os casos de bullying. Retirar o estudante do convívio resolve?
Isso é frequentemente utilizado como justificativa para defesa da educação domiciliar. Mas esse é um problema próprio de uma sociedade que padroniza comportamentos, formas corpóreas, vestimentas, cabelos, cor de pele, sexualidade — uma sociedade que não respeita a diversidade. A educação domiciliar, nesse sentido, em nada contribui para enfrentar o problema, pois não se debate e busca a solução. Essa prática impede o convívio das crianças com as diferenças e aumenta a intolerância.


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